terça-feira

Carvalho da Silva tem razão?


Em qualquer reunião do governo com os parceiros sociais, a CGTP de Carvalho da Silva, revela-se sempre o mais intransigente. Trata-se de militância sindical ou terá razões para isso?
Se há país com interesses instalados é o nosso – e não são os interesses das classes mais baixas.
Como é que o sector da banca consegue, ano após ano, haja recessão ou não, apresentar lucros superiores a qualquer outro sector? Será da eficiência?? Como é que ter uma farmácia é sinónimo de ter lucro? Será da eficiência?? Não me apetece falar do sector da construção porque é assunto para a PJ.
O dinheiro existe e ás vezes parece que é fácil de o apanhar. É uma situação imoral que, para além do mais, desmobiliza os que verdadeiramente trabalham. Meio país sonha com uma posição privilegiada, uma pequena percentagem vive nesse estado. O resto trabalha para subsistir: para conseguir pagar os medicamentos, o empréstimo que pediu ao banco para ter uma casa.
Os governos sabem que é dinheiro fácil apertar o cinto sempre aos que vivem na linha de água até porque não conseguem tocar nos vivem acima dela. Os protestos também não se ouvem muito porque é preciso manter o emprego, ir buscar os miúdos à creche e fazer o jantar.
Um dia ainda hei de ir aos Spas da Marisa, comprar uma vivenda com piscina, jogar golf, passear nos iates dos amigos e passar a vida em inaugurações de discotecas como os queridos e as queridas que aparecem na Caras.

episódios repetidos


Ver esta semana na assembleia da república a apresentação das medidas de combate ao défice das finanças públicas pelo executivo PS liderado por Sócrates levou-me a pouca esperança que pudesse ter resistido à habituação a este país.
Eu nunca votei PS ou PSD, tenho aliás uma posição peculiar acerca do contributo que estes partidos deram ao país. Acho que fizeram pouco e mal. Para mim algumas das melhores resoluções adoptadas por este país foram resultado de directivas europeias e isso não é governar. Tenho também uma posição peculiar acerca do sistema político-partidário, mas isso não é um problema específico português: temos como exemplo os países norte europeus onde os mesmos modelos aplicados em meio mundo (incluindo Portugal, a América latina e a Guiné-Bissau) parecem funcionar sempre melhor. Mas mesmo lá o sistema luta pela credibilização pois as abstenções aumentam e o desinteresse pela verborreia politica torna-se incontornável – será necessário repensar o sistema político a curto/médio prazo – mas antes disso:
Houve países que puderam contar com partidos que trabalharam bem no interesse público, não foi o nosso caso. E a odisseia continua. Este governo tem tudo para trabalhar e parece que vai insistir nos mesmos erros: Primeiro, conta com uma generosa maioria e portanto com a legitimidade máxima; Sucede ao pior governo da nossa história democrática e logo seria mais fácil impor uma mudança de tom; Conta com um líder da oposição que não faz muita sombra e ainda por cima parece relativamente interessado em dialogar e pôr os Dossiers em cima da mesa para que resulte algo parecido com um pacto de regime; É o partido, dos com vocação de governo, situado à esquerda e portanto mais insuspeito na hipotética alegação de cedência ao capital.
Devíamos estar a preparar-nos para atravessar o deserto mas em vez disso continuamos a ir à praia. Um dia a praia em que vivemos transforma-se no deserto que devíamos ter atravessado.

Para quem anda a leste do que eu falo, alguns factos: Nos últimos 30 anos a economia portuguesa só cresceu quando a mundial cresceu e menos que os nossos homólogos. Não se pode chamar a isso uma economia desperta, com apetite pelas oportunidades que surgem, nada disso, estamos adormecidos. Não aproveitámos, como outros, as contrapartidas financeiras da UE à abertura para o mercado europeu. Andámos a alimentar alguns lobbys com esse dinheiro e agora temos as portas escancaradas mas não temos um mercado interno competitivo para ripostar. Conseguimos arrastar um estado bem pesado (50% da economia) à boa maneira europeia, mas para além de ineficiente esses 50% são relativos a uma economia fraquinha e portanto mal dão para nos cobrir. Bolas…esquecemo-nos que antes de sermos generosos a distribuir o peixe devíamos aprender a ir pescá-lo. O famoso défice estrutural das contas do estado vai-nos mesmo atolar a todos. Como em toda a Europa, a nossa população está a envelhecer e o modelo social vai entrar em colapso. E por último vamos enfrentar, nesta situação débil, o choque com as economias asiáticas com o qual até os fortes da Europa vão sofrer.

Em primeiro lugar é importante lembrar que o défice é mesmo estrutural. Insisto em estrutural: estrutural, fixem isso. Estrutural significa por exemplo que todos os anos a economia cresce 1% e a despesa do estado 4%; significa que independentemente das iniciativas politicas de construir uma auto-estrada, fazer uma expo ou cortar nos aumentos salariais esse défice mantém-se; é o mesmo que andarmos a aprovar decretos de lei quando o que está mal é a constituição.
Ao ouvir a classe politica ao longo dos anos dá a ideia que o défice não é estrutural. Foi o que aconteceu nesta apresentação na assembleia da república. PS e PSD fizeram mais uma vez o triste jogo do empurra – como o campeonato dos maus alunos – para ver quem tinha feito “menos mal” o trabalho. O PS e o PSD foram ambos responsáveis pelos destinos do país nos últimos 15 anos e não fizeram as tais reformas estruturais. Mesmo na oposição os políticos são, como é óbvio, responsáveis pelas matérias que trazem a debate público e pela maneira demagoga e facilitista ou não com que falam á população. Os partidos não deviam ter problemas em ajudar os que estão no governo a fazer as reformas essências mesmo sabendo que os louros serão eternamente atribuídos a determinado executivo e não a eles. Considero todos responsáveis pelo actual estado das coisas. Mesmo os que estiveram na oposição. Portanto parece-me ridículo e gasto o discurso do “vocês são os culpados por isto” e “não fizemos melhor porque tínhamos uma herança pesada”. E também é difícil preparar o país para uma travessia do deserto quando no mesmo noticiário o líder da oposição vem alardear que se juntem todos a ele porque existe um oásis já à mão de semear. Naturalmente que o povo prefere ouvir que vai haver dinheiro e regalias que cheguem e sobrem. A questão é: estamos a contar ao povo toda a verdade? A questão é: nesta democracia a verdade é um conceito acessório – a verdade das verdades é: “vamos ganhar as eleições?”
Vou falar claro: nós precisamos de um pacto de regime, de uma AD. As reformas que são emergentes neste país não são assunto para uma maioria simples mas sim para uma maioria qualificada – o mesmo tipo de maioria necessária para mudar a constituição: desta forma não vemos o líder da oposição nos telejornais a desmobilizar de todas as iniciativas.
Sabemos bem que não é nada disto que se vai passar: os partidos vão continuar a digladiar-se até que finalmente, à boa maneira portuguesa, as reformas serão feitas “in extremis” atabalhoadamente quando o estado não tiver património nem crédito.
Os nossos protagonistas políticos estão programados por defeito para este tipo de combate – é desta maneira que eles sobem nas estruturas dos partidos. Não é de esperar muito mais deles – mesmo numa situação como esta, em que os planetas pareciam alinhar-se no sentido de um comportamento responsável.
Vejam o repto de J.A. Saraiva esta semana no Expresso.

segunda-feira

Paris


I

Aquilo que procuramos de certeza (mesmo que inconscientemente) quando estamos em Paris – o período de ouro, de todas as inovações permitidas pela revolução industrial; os caminhos de ferro e as suas majestosas estações, a arquitectura de ferro nas suas mais arrojadas manifestações, a “fada electricidade” iluminando as ruas e edifícios, tudo isto reunido numa cidade sabiamente preparada pelos urbanistas de Haussman para receber o mundo moderno nascido da revolução industrial.
Todo este Paris fervilhante, já foi moderno, depois demodée e pós-moderno e agora já não passa de uma historia – uma historia para debitar às hordas de turistas que se expectam defronte aos magníficos vestígios esperando ressentir alguma vibração dessa “belle époque”.
Fica o resto para contar; são as ruas e avenidas entregues aos automóveis, as lojas de souvenirs, os restaurantes Doner Kebab, os cabeleireiros da moda para pretos, as lojas de roupa branchée na crista da sub-cultura urbana, punk/pós-moderna, os túneis de metro a cheirar a mijo, os milhares de quilómetros quadrados de graffitis os grandes marchées des puces, as passagens superiores, os vãos de viaduto e das circulares, as instalações industriais decadentes abandonadas e acima de tudo as pessoas de Paris, os seus interpretes.


II

Como é viver numa grande cidade? Desconcertante. A primeira coisa a dizer é que há muita gente. Sim porque é isso mesmo que significa a cidade ser grande. Mas esta impressão de multidão ainda é acentuada pela sua mobilidade. Há gente que vem de todos os lados e vai para todas as direcções a todas as horas. Imaginando a situação insólita de apanharmos um metro ás 5:30 da madrugada na estação Télégraphe (uma entre as mais de 250 ) é muito provável que ainda assim partilhemos o metro com 50 pessoas – mas quem são estas pessoas, de onde vêem? o que as move? se eu estivesse tranquilo na minha cama elas estariam aqui?
Ao princípio é difícil conceber esta nova realidade: é como os jogos de arcade com munições infinitas em que podemos estar um dia a atirar tartes de maça que nem por isso as tartes de maça parecem acabar.
Psicologicamente altera comportamentos: é difícil ficar muito tempo no mesmo sítio não se dê o caso de vir um mar de gente que nos leve. Se fico algum tempo no mesmo sítio tenho a sensação de já ter sido visto por tantas pessoas nas mesmas coordenadas que só pode significar que já estou ali há tempo demais.
A segunda coisa a dizer e contrariamente ao que se possa pensar, esta multidão não é toda igual. Há pessoas de todas as formas e feitios: árabes, pretos, franceses, europeus de leste, japoneses, europeus do norte e do sul, chineses, ciganos, curdos, indianos, judeus, sul americanos e todas as misturas possíveis entre eles.


III

A terceira coisa a dizer é que no meio de tanta gente, desfila muita miséria social. Genericamente descritos como pessoas que têm o habito de se deitar no chão da rua, cheirar mal e têm o poder de petrificar o coração e subtrair o dinheiro dos outros. Estes habitantes têm estilos de vida mais organizados do que possa parecer á primeira vista, são marginais profissionais os que verdadeiramente subsistem desta forma.
É a arte da penitência que consiste em tentar comover o espectador apresentando-se numa posição de inferioridade ou de verdadeira decadência ou prestando um qualquer pseudo-serviço.
Em todas estas formas marginais de subsistência a mensagem a transmitir é «eu mereço o seu dinheiro porque...»:
- «...sei fazer isto» é a mais parecida com uma verdadeira profissão. O sujeito esforça-se por agradar ao espectador de uma forma minimamente convincente, como: tocar um instrumento, fazer uma demonstração de habilidade, uma performance, etc.
- «... sou útil» o sujeito presta um pseudo-serviço que seja comprometedor, como: arrumar carros, lavar vidros, vender pensos-rápidos, etc.
- «...a minha vida é assim» o sujeito apresenta-se e conta a história da sua vida com o máximo de pormenores comoventes, como: a dificuldade de encontrar um emprego, a idade dos filhos e os problemas na família.
- «...eu sou assim» o sujeito exibe a sua deficiência física, como: uma amputação, uma corcunda, etc.
- «...sim» o sujeito coloca-se de joelhos e cabeça baixa, ou noutra posição de penitência, num local de grande afluência ou espera simplesmente deitado com um prato para as moedas.
- «...consegui tira-lo» mais conhecido por pickpocket. O sujeito subtrai fisicamente os valores ao concidadão, sem esperar pela aprovação deste, fugindo de seguida. É considerado crime, e como tal só os jovens mais inconscientes e em boas condições físicas, para poder fugir, é que seguem por esta via.

Na realidade eles desempenham um papel na sociedade capitalista: todo o cidadão que tenha um emprego alienante e perspectivas sombrias de uma vida menos escravizante, pode-se recordar diariamente que ainda assim é um privilegiado na pirâmide social. Corolário de resto triste.