sexta-feira

Portugal profundo


Estou farto dos meã culpas por parte dos arquitectos quando na realidade não lhes foi dada a oportunidade nos últimos 30 anos. É evidente que há maus profissionais em arquitectura, como em qualquer outra área profissional ou não, (até há maus desempregados, maus pais…etc.) não preciso de o mencionar cada vez que falo sobre arquitectura.

Quem tem ditado a forma de construir em Portugal nos últimos 30 anos são os promotores, empreiteiros enriquecidos. Numa época em que o que fosse construído era vendido fez-se de tudo inclusive deseconomias desinteligências desonestidades. Enganou-se os clientes construindo mal, enganaram-se a eles próprios quando pensaram que fazendo sempre igual seria sempre mais barato –no fundo deixou-se as escolhas arquitectónicas em critérios ignorantes, mal informados.

Umas décadas mais tarde e os próprios clientes estão confusos… o empreiteiro é o melhor amigo do cliente e não o arquitecto!?! Arquitecto, qual Demónio de encarecer obras… mas… não é o empreiteiro o interessado em controlar todo o processo a seu bel critério??? Fazendo sempre o que lhe obriga o mínimo de raciocínio...

Imagine-se a mesma subversão na área da saúde: o doente em vez de se dirigir ao médico, ia directamente á indústria farmacêutica. E esta dizia-lhe: «Temos dois excelentes medicamentos: a aspirina e a morfina, não temos mais porque isso iria encarecer a produção e distribuição e seríamos obrigados a fazer investigação, portanto assim fica-lhe mais económico». É evidente que, se ignorarmos as vantagens da medicina moderna, a aspirina e a morfina parecem excelentes panaceias.

Da mesma forma os portugueses infelizmente ignoram o que é qualidade de habitar: vivem em prédios desinteressantes e mal servidos de insolação, de vistas, de espaço…vivem em bairros descaracterizados e pouco acolhedores. Olhando para as cidades portuguesas, para os prédios, alguns não muito velhos mas já lembrando grandes construções provisórias à espera de reformulação, de uma Expo que requalifique toda a zona e traga dias solarengos e um sorriso de feira popular e algodão doce .*/

Esta desvalorização do património não foi acautelada pelos clientes –«o empreiteiro já com a massa no bolso e constroem mais um prédio á minha frente». Mais tarde ou mais cedo o mercado está saturado e desta vez é para investir na qualidade – vende-se o andar numa zona entretanto desqualificada para comprar num condomínio fechado. O que fazer a tantas casas entretanto desvalorizadas? Construído barato para durar 70 anos mas não hão de ter 35 e já inaceitáveis para muita gente…

Mas serão os empreiteiros sozinhos os responsáveis pelo estado actual da “arquitectura” em Portugal? Como dizia, os empreiteiros são a parte ignorante que alimentou o processo com o único objectivo do lucro. Havia outras partes que tinham obrigação de pensar em mais que o lucro: a começar pelo estado que não se preocupou em introduzir procedimentos que defendessem o território nacional como um bem público; passando pelas autarquias que foram cúmplices em arruinar os territórios que administram; e pelos profissionais que, sem verdadeiramente apreciarem a actividade de arquitecto, a desempenharam alienados dos seus deveres e acríticos em relação á sociedade que construíam.

Para além do mais “diz-se” que andaram a receber dinheiro como forma de financiamento das suas autarquias dos seus partidos ou das suas contas bancárias. E que empreiteiros ricos conseguem definir junto do poder político a agenda das obras públicas, ou seja, das obras que todos pagamos!!

Os mesmos empreiteiros a quem são constantemente perdoadas “derrapagens” orçamentais, que passaram mesmo a ser uma trivialidade da prática construtiva, consideram a intervenção do arquitecto um luxo, um extra. Mais estranho ainda é que a sociedade interiorize esse logro e prescinda quase sempre da contribuição do arquitecto –seja na elevação qualitativa do investimento, seja na mediação e defesa do cliente perante os agentes do mercado de construção.
A alegação de que o arquitecto é o responsável pelo encarecimento das obras continua a animar receios imbecis na sociedade:
–a actuação livre dos empreiteiros durante décadas conduziu ao embrutecimento do mercado e dos trabalhadores de construção de modo que há hoje um léxico muito limitado do que é construível em Portugal. Constrói-se grosso modo como há 30 anos atrás. O ónus desse atraso, obviamente, será pago por todos nós na forma como novos materiais e novas técnicas entram em Portugal sem qualquer concorrência interna e a preços de luxo.
A pouca necessidade de flexibilidade e inteligência e a falta de controlo de qualidade incutida aos trabalhadores pelos empreiteiros tornou-os profissionais monótonos e sem brio.
É evidente que mudar vícios custa tempo e frequentemente o simples facto se exigir fazer bem implica um esforço permanente na obra.
Ainda assim o arquitecto, se quiser, consegue adaptar-se e usar o que dispõe para construir melhor pelo mesmo preço –usando duas ferramentas inovadoras em Portugal: o planeamento e a inteligência.