domingo

ganhar raízes


O estado recebe todos os anos a tutela de educar os filhos de Portugal. Nesta oportunidade única de criar uma cultura civilizacional, de formar sociedade o que faz?
Passa uma ensaboadela pelos tópicos sonantes, entre aspas “obrigatórios”, mas sem rumo. O cisma tacanho (de todas as nações) de começar por uma história do país… Como se fosse natural partir do particular para o geral
(1). E quando, para cúmulo, nem sequer há tempo para leccionar a revolução de Abril porque calha no fim da matéria! Pois deviam começar precisamente pelo fim… deviam começar por explicar a sociedade contemporânea: o ABC do capitalismo, da globalização, da ecologia, do sistema político, do direito, da economia. Tudo explicado com exemplos e com ajuda de documentários.
Quero lá saber dos problemas familiares de Afonso Henriques, de fingir que consigo ler e interpretar os Lusíadas! Como se isso me fizesse mais português… isso pode vir mais tarde… Não nos podemos esquecer que estamos a educar o cidadão comum e não intelectuais: esses terão mais oportunidades de aprender, no secundário, na universidade ou como interessados autodidactas. Mas uma grande parte tem a última oportunidade no ensino obrigatório. Segue-se um curso profissionalizante ou o trabalho.
E isto são matérias importantes mesmo para quem tem um curso superior.
Quando foi a última vez que nos servimos do conceito de ‘complemento directo’, se é que ainda nos lembramos do que é.
E quais são as leis do mercado -isso é útil todos os dias…

As crianças começam desde cada vez mais cedo a fazer escolhas, são ‘cotas’ de mercado e sofrem com a investida do marketing. Vêem o mundo na televisão mas não o percebem (mesmo nós demoramos a perceber). Portanto não é uma questão de perder a inocência, pois ela já está perdida, mas de ganhar as ferramentas para lidar com esse facto. De crescerem e se tornarem cidadãos capazes, informados e activos na defesa de uma ideia de sociedade.
No fundo, à semelhança do mundo empresarial, o estado tem vantagens em criar uma ‘cultura empresarial’, em manter todos os ‘trabalhadores’ cientes do espírito e dos objectivos da ‘empresa’. E o estado tem essa oportunidade quando os pais lhes entregam os filhos à porta das escolas. No entanto, pais e estado, são negligentes e os media (com a sua agenda inconfessável) acabam por assumir o seu papel.
Não admira que as pessoas em Portugal tenham uma visão individualista, que não sintam deveres na sociedade e que apenas se manifestem quando esta mexe nos ‘seus direitos’. Não admira que não saibam para que serve uma procuradoria, o que é o défice ou o que significa desenvolvimento sustentável. Não admira que abandonem lixo por todo o lado e que tenham pouco respeito pelo que é património público.

(1) O Renascimento, por exemplo, veio de Itália, já a Reforma veio de terras germânicas, os Descobrimentos vieram da península Ibérica e a Revolução Industrial partiu da Inglaterra. A perspectiva forçada por um ponto de vista nacionalista acaba mais tarde por ser corrigida pela curiosidade ou então permanece um mito ignóbil. Quando descoberto, não deixa nada de grandioso para a imagem da ‘nação’ –é contraproducente.

Oprah's eye-brows


Estava eu noutro dia tranquilamente a lanchar especado defronte do meu televisor quando sou agitado pelo programa «The Fabulous Life of…» do canal Vh1.
Segundo esse programa, a Oprah do talk show americano, usa o seu jacto privado para atravessar os EUA e ir arranjar as sobrancelhas à sua especialista de sobrancelhas preferida. O locutor acrescenta com excitação que ela o faz de duas em duas semanas e que de cada vez gasta 50 000 dólares por sobrancelha (com uma refeição incluída no jacto).

É nesta altura que a emissão seria interrompida por Diácono Remédios a bater com o indicador na secretária e a exclamar «Ó meuz amigozzz…!».
É claro que para além desta vaca há uma percentagem negligenciável de criaturas que é responsável pela utilização de uma percentagem nada negligenciável de recursos. Isto é só um exemplo entre muitos… Como dizia um amigo meu «isso dava-me um jeitão para pagar a prestação da casa» ou neste caso, para pagar a casa a pronto!

Para lá da questão de como estas pessoas conseguem viver bem consigo mesmas e de como conseguem passar a ideia de ser beneméritas defensoras dos “desfavorecidos”, surge o problema de que estes luxos implicam necessariamente a mobilização de recursos (materiais e humanos) em causas tão fúteis que às vezes, pelas somas envolvidas, nem interessa saber quais.
Quando ouvimos falar que certas estancias turísticas têm um rácio de 4 (ou mais) empregados para 1 turista, isso implica necessariamente que há quatro almas que dedicam a sua vida para o bem estar de um mitra -não há reciprocidade possível.
O mesmo para os recursos materiais – a concentração num lado implica a rarefacção noutro.
Porquê ter três, quatro ou mais casas? Porquê ter um caseiro e criados em cada uma delas? Porquê a colecção de carros de luxo na garagem? Se somos ricos podemos perfeitamente arrendar um chalé ou uma suite em empreendimentos de 5 estrelas sempre que quisermos. Até podemos ser nós os donos desses empreendimentos… mas não é aceitável que usemos o dinheiro ao sabor de caprichos estúpidos, tendo património inerte espalhado por todo o lado.
Seria desejável regular essas assimetrias, mas como? Temos de ser comunistas e desejar uma sociedade padronizada?


Seria, por exemplo, aceitável que independentemente da enormidade de rendimento que alguém conseguisse obter, houvesse um tecto razoável de despesas pessoais. Por exemplo, qualquer um vive bem com 50 000€ mensais: o dinheiro auferido para além deste montante confortável (para mim) teria de ser aplicado em investimentos financeiros ou doado a fundações de cariz filantrópico. Um rico passaria a ser alguém, que, para além do mais, teria o poder de decidir o destino do dinheiro: seria um gestor decidindo quais os projectos que têm validade e os que não.
Na realidade é isso que os ricos também fazem. Muitos ganham muito dinheiro porque também o sabem aplicar bem – outros ganham dinheiro sem saber porquê – e são normalmente esses que se esforçam mais por derretê-lo estupidamente. Mas para algumas fortunas seria necessária muita imbecilidade e imaginação para conseguir “usufruir” tudo até ao último centavo. E nem por isso os candidatos a imbecis deixam de se esforçar.

Outra postura, mais radical, seria a de que ninguém, por muito trabalhador que seja, “merece” realmente um salário acima de determinado montante. Há uma desproporção entre o que ganha um assalariado mínimo e o máximo que não é de todo justificável. Um milionário ganha num dia o que muitos não conseguem juntar numa vida. Estando o rendimento balizado entre um mínimo e um máximo há uma base de dignidade e de justiça para lá da qual se encontra a afronta e a obscenidade de distinção entre concidadãos.
Se por exemplo o rendimento máximo for 100 vezes o valor do mínimo, pode-se dizer que existe um espectro de salários mais que satisfatório para retratar todas as camadas da sociedade.
Esta solução teria o mérito de reposicionar a ênfase do trabalho e da vida em factores externos à prosperidade financeira.

Mas qualquer uma destas abordagens é de aplicação complexa e não contempla a questão principal.
A questão aqui é a tolerância da sociedade para este tipo de situações. É o nosso conformismo, a nossa subserviência bacoca perante a exibição deste tipo de obscenidades. Pensamos: «são predestinados, merecem as coroas e os banhos de ouro».
A verdade é que somos nós que lhes damos esse poder, eles dependem de nós, do nosso dinheiro, da nossa aprovação, a sua opulência é aquela que aceitaríamos para nós caso nos fosse proporcionada.
E depois de comprarmos tudo de vermos tudo (programas, filmes, livros, produtos…) vamos comprar as revistas e ver os programas de bajulação (VIP, Caras, The Fantastic Life...) e a nossa reacção é um misto de espanto e fascínio: «Então é isto que eles fazem com o nosso dinheiro…Fantástico!».
Mas não é nada disto que se quer! É preciso deixar esta embriaguês! É preciso que essas revistas de bajulação sejam apresentadas como se apresenta o “Nós por cá”: como um desfile de vergonhas… que a popularidade dessas figuras caia como cai a do Bush… que fiquem de faces rosadas, de vergonha… que deixemos de ver os seus programas e de consumir os seus produtos na medida dos seus comportamentos… que não batamos palmas e peçamos autógrafos: assobiemos, brademos na sua presença… que tombem do seu estatuto de modelos de vida… que se vire o feitiço: antes idolatrados, agora enxovalhados… até que não haja ninguém que ouse gozar desse estatuto sem o merecer, sem ser impoluto, como se espera desde logo dos políticos… que se espere também dos que enriquecem à nossa custa.

Portugal dos Pequeninos

É costume queixarmo-nos da dimensão pequena do nosso país como justificação para os males que nos assomam (corrupção, entropia, falta de competitividade…). Simultaneamente babamo-nos para os países ágeis e civilizados como a Bélgica (8,8 milhões de habitantes), a Dinamarca (5,2 M hab.), a Irlanda (3,6 M hab.) a Áustria (8 M hab.), a Finlândia (5,5 M hab.), a Suécia (8,8 M hab.)…

Parece que só nos resta queixar das más praticas.

anónimo diz:


Houve aí uma discussão provocada pelo blog de Pacheco Pereira, o Abrupto, sobre o anonimato na qual eu já tinha uma posição.
Para mostrar que isto também é um blog e de vez em quanto é sensível à vibrante agenda bloguítica, deixo aqui uma síntese dos meus argumentos:

  1. Distingo “debate público de opiniões” de todas as outras formas –mais ou menos artísticas – de expressão. No segundo caso o nome pode ser parte do conteúdo a exprimir, para o primeiro o nome é um dado objectivo.

  2. Como ‘dado objectivo’, quero dizer que se pretende grande transparência entre as ideias e o idiota. Isto significa que as opiniões de cada um serão sempre emitidas sob o mesmo nome e que este nome é o mesmo em qualquer meio (incluindo o meio de expressão actualmente mais democrático, a Internet).

  3. Na Internet, alguém pode simplesmente simular um nome e o resultado é o anonimato. O ideal é ter uma página pessoal, como um blog, e juntar sempre esse link ao nome do comentário.

  4. A razão para a distinção feita no ponto 1 está em eu acreditar no papel do debate público numa democracia. Este debate público, o ‘fórum’, nasceu com ela e é um sinal da sua vitalidade. Os cidadãos precisam desse esclarecimento para melhor viver em sociedade e finalmente para votar esclarecidamente.

  5. A razão para o ponto 2 está em que, como legítimos participantes numa democracia, somos responsáveis pelo que dizemos – para o bem, mas também para o mal (no caso de violarmos a lei).
    Depois, há uma agressividade implícita mesmo no utilizador de nick name mais bondoso. Porque ele sabe e toda a gente percebe que ele se apresenta escondido -não é assim que ele se apresenta na realidade real.
    Porque é que ele faz isso? depende.
    O que é certo é que ele gosta de preservar esse desequilíbrio pois não se apresenta na realidade real como o do nick tal.
    Finalmente, trata-se de combater um problema da nossa sociedade que conduz à alienação e ao isolamento. A Internet veio proporcionar o anonimato total e nós usamo-lo indiscriminadamente. Há que saber usa-lo nos momentos apropriados.

  6. A tese de que o que conta são as ideias debatidas, sendo a autoria negligenciável, levada a cabo faria com que toda a gente fosse anónima perante toda a gente durante todo o tempo. Não me parece razoável. O facto de reconhecermos ao logo do tempo autores cuja opinião nos é relevante poupa-nos imenso tempo.

  7. Se se defende a autoria em vez do anonimato aplica-se o ponto 2.

  8. A questão sobre a adequação do nome de nascença: «um nome escolhido pelo próprio adulto será muito mais representativo» é uma questão interessante, com a qual concordo mas que passa ao lado do meu argumento. Eu não defendo que se use o nome atribuído pelos pais mas somente o que consta no ponto 2.
    Por exemplo os artistas costumam mudar o nome de nascença, mas o que importa é que esse nome seja claramente relacionado ao sujeito em questão (Woody Allen, Le Corbusier…).

  9. Finalmente, não entendo que isto seja uma Lei, nem dou demasiada importância a este assunto. Cada um é livre de discutir como quiser –como sempre foi. Que use a demagogia, a falácia, o insulto, que se identifique como quiser –as atitudes ficam sempre com os próprios.

Chantagem!


Já se explicou em muito lado (também aqui), pela racionalidade, que não são legítimos os protestos de uma comunidade islâmica pela ‘parcimónia’ no uso da liberdade de expressão. Também se viu a onda de moderação alimentada pela realpolitik e veiculada sobretudo pelos canais oficiais. Nela se sentiu o embaraço de quem quis atingir um objectivo -a paz - mas não encontrou argumentos razoáveis para se explicar –para além do desejo de paz.
Resta a conclusão, necessária, de que nunca houve intenção de apresentar argumentos sérios por parte dos defensores das matérias sagradas. O que houve foi uma declaração de guerra ideológica numa tentativa de prolongamento a ocidente do entendimento de estado asfixiante que é paradigma do mundo islâmico.
O impacto disto só pode ser entendido conhecendo as obrigações económicas que vinculam as duas culturas: o negócio do petróleo – que não pode parar para interesse de ambos.
O fanatismo e impulso para a guerra santa permitiram aos radicais islâmicos tomar posições inconcebíveis aos olhos ocidentais… afinal eles teriam tanto ou mais a perder com a ruptura de relações, pois não são produtivos mas completamente dependentes da renda do petróleo. E nós teríamos um forte impacto inicial e uma mudança forçada de estilo de vida.
Mas se há ‘valor’ permanente, que atravessa qualquer fronteira, no actual mundo capitalista é que o dinheiro não para de circular.
Como diria Vivaldi, Nulla
in Mundi Pax Sincera.