segunda-feira

O Papalagui


«Quando entramos numa cabana-cozinha europeia, vemos uma porção de pratos de comida e de utensílios de cozinha que nunca são usados. Para cada alimento há uma tanoa diferente, uma para a água, outra para o kava europeu, mais outra para a noz de coco e outra ainda para o pombo.
Numa cabana europeia há sempre tantas coisas que, mesmo que todos os homens de uma aldeia de Samoa carregassem mãos e braços com elas, nem assim conseguiriam levar tudo. Há, numa única cabana tão grande número de coisas, que a maior parte dos chefes de tribo Brancos necessita de imensos homens e mulheres que outra coisa não fazem que pôr estas tais coisas no seu lugar e limpar a poeira que as cobre. (…) Crede que há na Europa homens que encostam a arma de fogo à sua própria fronte, pois preferem deixar de viver do que viver sem coisas. Porque o Papalagui [o Branco] embriaga o seu próprio espírito de toda a maneira e feitio e, assim, convence-se a si próprio que não pode viver sem coisas, do mesmo modo que um homem não pode viver sem comer.
É por isso que eu nunca encontrei na Europa uma cabana onde pudesse instalar-me, onde nada me impedisse de estender os membros em cima duma esteira. Todas as coisas lançavam chispas e tinham cores tão berrantes que eu não conseguia pregar olho. Nunca encontrei verdadeira tranquilidade e nunca senti, como então, tantas saudades da minha cabana de Samoa, onde só o que há é uma esteira e um rolo de dormir, onde só o que chega até mim é a suave brisa do mar.»

O Papalagui , discursos de tuiavii chefe de tribo de tiavéa nos mares do sul (1996) Lisboa: Edições Antigona.