domingo

Oprah's eye-brows


Estava eu noutro dia tranquilamente a lanchar especado defronte do meu televisor quando sou agitado pelo programa «The Fabulous Life of…» do canal Vh1.
Segundo esse programa, a Oprah do talk show americano, usa o seu jacto privado para atravessar os EUA e ir arranjar as sobrancelhas à sua especialista de sobrancelhas preferida. O locutor acrescenta com excitação que ela o faz de duas em duas semanas e que de cada vez gasta 50 000 dólares por sobrancelha (com uma refeição incluída no jacto).

É nesta altura que a emissão seria interrompida por Diácono Remédios a bater com o indicador na secretária e a exclamar «Ó meuz amigozzz…!».
É claro que para além desta vaca há uma percentagem negligenciável de criaturas que é responsável pela utilização de uma percentagem nada negligenciável de recursos. Isto é só um exemplo entre muitos… Como dizia um amigo meu «isso dava-me um jeitão para pagar a prestação da casa» ou neste caso, para pagar a casa a pronto!

Para lá da questão de como estas pessoas conseguem viver bem consigo mesmas e de como conseguem passar a ideia de ser beneméritas defensoras dos “desfavorecidos”, surge o problema de que estes luxos implicam necessariamente a mobilização de recursos (materiais e humanos) em causas tão fúteis que às vezes, pelas somas envolvidas, nem interessa saber quais.
Quando ouvimos falar que certas estancias turísticas têm um rácio de 4 (ou mais) empregados para 1 turista, isso implica necessariamente que há quatro almas que dedicam a sua vida para o bem estar de um mitra -não há reciprocidade possível.
O mesmo para os recursos materiais – a concentração num lado implica a rarefacção noutro.
Porquê ter três, quatro ou mais casas? Porquê ter um caseiro e criados em cada uma delas? Porquê a colecção de carros de luxo na garagem? Se somos ricos podemos perfeitamente arrendar um chalé ou uma suite em empreendimentos de 5 estrelas sempre que quisermos. Até podemos ser nós os donos desses empreendimentos… mas não é aceitável que usemos o dinheiro ao sabor de caprichos estúpidos, tendo património inerte espalhado por todo o lado.
Seria desejável regular essas assimetrias, mas como? Temos de ser comunistas e desejar uma sociedade padronizada?


Seria, por exemplo, aceitável que independentemente da enormidade de rendimento que alguém conseguisse obter, houvesse um tecto razoável de despesas pessoais. Por exemplo, qualquer um vive bem com 50 000€ mensais: o dinheiro auferido para além deste montante confortável (para mim) teria de ser aplicado em investimentos financeiros ou doado a fundações de cariz filantrópico. Um rico passaria a ser alguém, que, para além do mais, teria o poder de decidir o destino do dinheiro: seria um gestor decidindo quais os projectos que têm validade e os que não.
Na realidade é isso que os ricos também fazem. Muitos ganham muito dinheiro porque também o sabem aplicar bem – outros ganham dinheiro sem saber porquê – e são normalmente esses que se esforçam mais por derretê-lo estupidamente. Mas para algumas fortunas seria necessária muita imbecilidade e imaginação para conseguir “usufruir” tudo até ao último centavo. E nem por isso os candidatos a imbecis deixam de se esforçar.

Outra postura, mais radical, seria a de que ninguém, por muito trabalhador que seja, “merece” realmente um salário acima de determinado montante. Há uma desproporção entre o que ganha um assalariado mínimo e o máximo que não é de todo justificável. Um milionário ganha num dia o que muitos não conseguem juntar numa vida. Estando o rendimento balizado entre um mínimo e um máximo há uma base de dignidade e de justiça para lá da qual se encontra a afronta e a obscenidade de distinção entre concidadãos.
Se por exemplo o rendimento máximo for 100 vezes o valor do mínimo, pode-se dizer que existe um espectro de salários mais que satisfatório para retratar todas as camadas da sociedade.
Esta solução teria o mérito de reposicionar a ênfase do trabalho e da vida em factores externos à prosperidade financeira.

Mas qualquer uma destas abordagens é de aplicação complexa e não contempla a questão principal.
A questão aqui é a tolerância da sociedade para este tipo de situações. É o nosso conformismo, a nossa subserviência bacoca perante a exibição deste tipo de obscenidades. Pensamos: «são predestinados, merecem as coroas e os banhos de ouro».
A verdade é que somos nós que lhes damos esse poder, eles dependem de nós, do nosso dinheiro, da nossa aprovação, a sua opulência é aquela que aceitaríamos para nós caso nos fosse proporcionada.
E depois de comprarmos tudo de vermos tudo (programas, filmes, livros, produtos…) vamos comprar as revistas e ver os programas de bajulação (VIP, Caras, The Fantastic Life...) e a nossa reacção é um misto de espanto e fascínio: «Então é isto que eles fazem com o nosso dinheiro…Fantástico!».
Mas não é nada disto que se quer! É preciso deixar esta embriaguês! É preciso que essas revistas de bajulação sejam apresentadas como se apresenta o “Nós por cá”: como um desfile de vergonhas… que a popularidade dessas figuras caia como cai a do Bush… que fiquem de faces rosadas, de vergonha… que deixemos de ver os seus programas e de consumir os seus produtos na medida dos seus comportamentos… que não batamos palmas e peçamos autógrafos: assobiemos, brademos na sua presença… que tombem do seu estatuto de modelos de vida… que se vire o feitiço: antes idolatrados, agora enxovalhados… até que não haja ninguém que ouse gozar desse estatuto sem o merecer, sem ser impoluto, como se espera desde logo dos políticos… que se espere também dos que enriquecem à nossa custa.