terça-feira

episódios repetidos


Ver esta semana na assembleia da república a apresentação das medidas de combate ao défice das finanças públicas pelo executivo PS liderado por Sócrates levou-me a pouca esperança que pudesse ter resistido à habituação a este país.
Eu nunca votei PS ou PSD, tenho aliás uma posição peculiar acerca do contributo que estes partidos deram ao país. Acho que fizeram pouco e mal. Para mim algumas das melhores resoluções adoptadas por este país foram resultado de directivas europeias e isso não é governar. Tenho também uma posição peculiar acerca do sistema político-partidário, mas isso não é um problema específico português: temos como exemplo os países norte europeus onde os mesmos modelos aplicados em meio mundo (incluindo Portugal, a América latina e a Guiné-Bissau) parecem funcionar sempre melhor. Mas mesmo lá o sistema luta pela credibilização pois as abstenções aumentam e o desinteresse pela verborreia politica torna-se incontornável – será necessário repensar o sistema político a curto/médio prazo – mas antes disso:
Houve países que puderam contar com partidos que trabalharam bem no interesse público, não foi o nosso caso. E a odisseia continua. Este governo tem tudo para trabalhar e parece que vai insistir nos mesmos erros: Primeiro, conta com uma generosa maioria e portanto com a legitimidade máxima; Sucede ao pior governo da nossa história democrática e logo seria mais fácil impor uma mudança de tom; Conta com um líder da oposição que não faz muita sombra e ainda por cima parece relativamente interessado em dialogar e pôr os Dossiers em cima da mesa para que resulte algo parecido com um pacto de regime; É o partido, dos com vocação de governo, situado à esquerda e portanto mais insuspeito na hipotética alegação de cedência ao capital.
Devíamos estar a preparar-nos para atravessar o deserto mas em vez disso continuamos a ir à praia. Um dia a praia em que vivemos transforma-se no deserto que devíamos ter atravessado.

Para quem anda a leste do que eu falo, alguns factos: Nos últimos 30 anos a economia portuguesa só cresceu quando a mundial cresceu e menos que os nossos homólogos. Não se pode chamar a isso uma economia desperta, com apetite pelas oportunidades que surgem, nada disso, estamos adormecidos. Não aproveitámos, como outros, as contrapartidas financeiras da UE à abertura para o mercado europeu. Andámos a alimentar alguns lobbys com esse dinheiro e agora temos as portas escancaradas mas não temos um mercado interno competitivo para ripostar. Conseguimos arrastar um estado bem pesado (50% da economia) à boa maneira europeia, mas para além de ineficiente esses 50% são relativos a uma economia fraquinha e portanto mal dão para nos cobrir. Bolas…esquecemo-nos que antes de sermos generosos a distribuir o peixe devíamos aprender a ir pescá-lo. O famoso défice estrutural das contas do estado vai-nos mesmo atolar a todos. Como em toda a Europa, a nossa população está a envelhecer e o modelo social vai entrar em colapso. E por último vamos enfrentar, nesta situação débil, o choque com as economias asiáticas com o qual até os fortes da Europa vão sofrer.

Em primeiro lugar é importante lembrar que o défice é mesmo estrutural. Insisto em estrutural: estrutural, fixem isso. Estrutural significa por exemplo que todos os anos a economia cresce 1% e a despesa do estado 4%; significa que independentemente das iniciativas politicas de construir uma auto-estrada, fazer uma expo ou cortar nos aumentos salariais esse défice mantém-se; é o mesmo que andarmos a aprovar decretos de lei quando o que está mal é a constituição.
Ao ouvir a classe politica ao longo dos anos dá a ideia que o défice não é estrutural. Foi o que aconteceu nesta apresentação na assembleia da república. PS e PSD fizeram mais uma vez o triste jogo do empurra – como o campeonato dos maus alunos – para ver quem tinha feito “menos mal” o trabalho. O PS e o PSD foram ambos responsáveis pelos destinos do país nos últimos 15 anos e não fizeram as tais reformas estruturais. Mesmo na oposição os políticos são, como é óbvio, responsáveis pelas matérias que trazem a debate público e pela maneira demagoga e facilitista ou não com que falam á população. Os partidos não deviam ter problemas em ajudar os que estão no governo a fazer as reformas essências mesmo sabendo que os louros serão eternamente atribuídos a determinado executivo e não a eles. Considero todos responsáveis pelo actual estado das coisas. Mesmo os que estiveram na oposição. Portanto parece-me ridículo e gasto o discurso do “vocês são os culpados por isto” e “não fizemos melhor porque tínhamos uma herança pesada”. E também é difícil preparar o país para uma travessia do deserto quando no mesmo noticiário o líder da oposição vem alardear que se juntem todos a ele porque existe um oásis já à mão de semear. Naturalmente que o povo prefere ouvir que vai haver dinheiro e regalias que cheguem e sobrem. A questão é: estamos a contar ao povo toda a verdade? A questão é: nesta democracia a verdade é um conceito acessório – a verdade das verdades é: “vamos ganhar as eleições?”
Vou falar claro: nós precisamos de um pacto de regime, de uma AD. As reformas que são emergentes neste país não são assunto para uma maioria simples mas sim para uma maioria qualificada – o mesmo tipo de maioria necessária para mudar a constituição: desta forma não vemos o líder da oposição nos telejornais a desmobilizar de todas as iniciativas.
Sabemos bem que não é nada disto que se vai passar: os partidos vão continuar a digladiar-se até que finalmente, à boa maneira portuguesa, as reformas serão feitas “in extremis” atabalhoadamente quando o estado não tiver património nem crédito.
Os nossos protagonistas políticos estão programados por defeito para este tipo de combate – é desta maneira que eles sobem nas estruturas dos partidos. Não é de esperar muito mais deles – mesmo numa situação como esta, em que os planetas pareciam alinhar-se no sentido de um comportamento responsável.
Vejam o repto de J.A. Saraiva esta semana no Expresso.