terça-feira

tempestade num copo de água


Já muito se falou sobre a questão das caricaturas Dinamarquesas. Há quem sugira ser um simples exercício de liberdade de expressão, há quem a compare à exibição pública de pornografia, outros como eu estão simplesmente perplexos com o evoluir dos acontecimentos.


Antes de expor a minha opinião vou enumerar algumas generalidades:
É público o desacordo de uma e de outra sociedade sobre os padrões de civilização. A ocidental está mais envolvida no seu amor à sua laicidade, democracia e liberalismo do que a qualquer valor espiritual enquanto que a muçulmana gere os valores espirituais junto dos mais altos designeos do estado, cultura e justiça.
O que trouxe de novo os referidos ‘cartoons’ a este desacordo tácito? Algum argumento de peso? Alguma tese revolucionária? Não, é obvio que se trata de algo bem ligeiro. Pode-se concluir que no limite se trata de uma discussão do tipo:
-Estúpido!
-Não, estúpido és tu!!
Daí a minha perplexidade com a escalada que isto provocou. Este alarido só se compreende num contexto de anúncio de guerra.

Mas a publicação dos desenhos não foi um acto oficial de algum país. Os desenhos foram publicados por jornais independentes de distribuição nacional. É uma extrapolação imensa querer analisar esse acto fora do contexto próprio. Os protestos surgem na alegação de que esses desenhos violam o que está nos textos sagrados muçulmanos. Mas podemos imaginar o direito recíproco de um dinamarquês, à luz dos textos dos direitos do Homem, de se revoltar com os maus tratos infligidos ‘legalmente’ às mulheres muçulmanas.

A revolta incide sobre a particularidade de se ter representado o profeta (acto proibido pelo alcorão) mais do que qualquer outra inferência politica. Se em vez da imagem se tivesse publicado, no mesmo jornal, um artigo de opinião em que a certa altura o autor dissesse «o profeta Mahomet instiga o terrorismo» (em dinamarquês) ninguém daria por nada. O absurdo é alguém querer que o resto do mundo funcione pelas suas regras.
Imaginando que na minha religião eu tinha a forte convicção de que me era permitido amar e servir um só Deus. Estariam por isso todos os muçulmanos, por respeito à minha crença, proibidos de ter a sua vida normal e amarem o Deus deles? A vida normal de um dinamarquês passa pela sua liberdade de expressão. Faz sentido que alguém de um país longínquo venha ditar-lhe novos costumes?

O que faz sentido é se algum dinamarquês muçulmano (ou não) se sentir ofendido instruir um processo por abuso da liberdade de expressão ao outro dinamarquês. O que faz sentido é qualquer dinamarquês muçulmano (ou não) compreender que vive num país onde é possível ridicularizar qualquer religião, incluindo a sua. Se não gosta só tem duas hipóteses: ou muda de país ou espera mais um pouco que os muçulmanos invadam a Dinamarca.